sexta-feira, dezembro 3

Ainda sobre livros e futuros

Como escrevi em post anterior, a questão sobre o que pode vir a acontecer com o livro, diante dos processos de digitalização do conhecimento humano e sua produção cultural, é um assunto recente que tem me deixado bastante curioso.

Série Deslocamentos: Aleijadinho
Não por acaso, esbarrei dia desses com uma edição mínima e genial: História do livro em cinco mil palavras, escrito pelo espanhol Hipólito Escolar para comemorar o Ano Internacional do Livro em 1972 - autor que teve papel fundamental para a formatação do sistema de bibliotecas públicas brasileiras. 

A edição brasileira apenas foi publicada em 1977 por conta das celebrações do 40º aniversário do Instituto Nacional do Livro - extinto em 1990 e nada posto no lugar. 

Em poucas páginas, Escolar traça uma linha histórica para o livro e já coloca questões em torno do avanço dos meios audiovisuais, dos computadores e qual seria a sobrevivência possível para o livro escrito diante dessas mudanças – reflexão atualíssima pois!

“Assim, apesar do computador estar ganhando terreno ao livro, presume-se que o homem, nos próximos séculos, mesmo que disponha de computadores que lhes facilitem o acesso aos textos que deseje consultar ou ler, ainda não venha a fazer disto um uso corrente, continuará sentindo amor pelo livro e prazer em lê-lo e possuí-lo”, aposta Hipólito Escolar.

Essa “afeição natural”, quase fetichista, com o objeto levaria o livro ao status de obra de arte, diz, pois são "vários e muito estreitos os laços que o ligam ao leitor, por ser fonte de emoções espirituais”.

Metamorfoses e mimetismos
No 2º Fórum da Cultura Digital Brasileira, mês passado, um retrospecto da relação do livro com a vida foi mote da explanação de Giselle Beiguelman que, ao lado de Bob Stein, teve em mãos a tarefa de indicar 'futuros possíveis' para o livro, levando em conta sua trajetória até os dias de hoje.

Série Deslocamentos: Gaudí
Sim, 'futuros', no plural, porque sua substituição enquanto artefato cultural tem desdobramentos na forma como sociedades processam e operam suas visões de mundo. 
Já não seria o livro uma “entidade primodial”, próxima à ideia do arquétipo, a nos moldar as percepções do real?

Se pensarmos que da parede da caverna ao papiro; do pergaminho ao livro manuscrito e desse para o impresso correram séculos, milênios! 

A capacidade de adaptação do livro às especificidades próprias das linguagens artísticas superou várias previsões funestas advindas do século 20. O cinema, o rádio, a televisão: a morte sempre esteve a rondar...

Tinha ainda literatura no vinil colorido...
Como esperar que agora se pregue o fim do processo transformador propiciado pela escrita e a impressão, como a recente teoria "Parênteses de Gutenberg", tendo em vista que a 'avalanche digital', na qual estamos metidos até o pescoço, tornou-se incontestável mas é ainda desconhecida na sua dimensão e complexidade estruturadora?!

A internet e a digitalização da vida humana é um movimento que a tudo toca. Podemos ler um livro sem manuseá-lo, saltar rapidamente entre páginas, assim como encontrar palavras, termos-chave sem me deter mais que alguns segundos. Além disso, ainda existem hiperlinks que nos farão navegar para além das precisões dos tempos de Pessoa...

Contudo, vamos perdendo a relação afetuosa com o objeto, mesmo que os dispositivos digitais para leitura teimem em ser cada vez menos 'máquina' e cada vez mais 'órgão' extensor para os usuários. 

E o negócio agora vai mudando...E lá vem a Google outra vez! Vejo Isso tudo como adaptação, mimetismo do livro diante dos desafios incessantes da comunicação que se quer dita e, sim, adora ver-se nos mais variados tipos.

sexta-feira, novembro 19

Na estante depois do #forum2010

“Imersos na cinemateca” poderia ser o título de um filme metalinguístico – melhor do que “submersos,” que já seria na linha filme-catástrofe, caso chovesse um tantinho mais em São Paulo... 

Foto: Pedro Caetano/UARA
A entrada pelo umbigo da cultura digital, quando ela tem a coragem de olhar pra dentro e refletir, se deu durante três dias no Fórum da Cultura Digital Brasileira, ocupando os amplos espaços da Cinemateca Brasileira. 

A proposta de reunir apresentação de experiências, debates conceituais, políticas públicas e a turma da 'mão na massa', uma característica do movimento software livre em seus encontros, mostrou-se produtivo - mesmo que a quantidade de atividades randomiza o sujeito até a raiz dos cabelos!

Mas difícil não querer conhecer projetos e saber de experimentos como o webdocumentário, o medialab budapest kitchen, o inovador cap-digital e mesmo perceber que objetos preciosos para gerações pré-nativos digitais, como o livro, ainda têm muito pra contribuir à humanidade (ufa!) diante da inquietante avalanche do 'tudo-agora digital'.

Da mesma forma, os olhos estavam postos na política, no período de transição nos legislativos e executivos nacionais, e que precisa ser acompanhado de perto pela sociedade afim de garantir o aperfeiçoamento dos princípios de uma política de cultura digital erigida a várias mãos no últimos seis anos. Também esteve claro que a batalha pela liberdade na internet continua ininterrupta, tendo sido tema de contínuas discussões no #forum2010 e que vai se desdobrando na web.

Foto: Andre Motta/UARA
Com todas as atividades programadas durante o #culturadigitalbr deste ano, sinto que fica latente a importância dos encontros presenciais para quem está conectado a maior parte do tempo trafegando pelas vias digitais.

Com tanta gente reunida, a 'desprogramação' acaba sempre rendendo não só a troca de ideias, a colaboração em novos projetos ou a chance de se fazer algo novo em uma oficina. 

Propõe sim a humanização da tecnologia pela diversidade cultural que ali se encontra representada por cada um e que vai transformando o termo cultura digital num dos mais complexos hiperlinks do Brasil contemporâneo.

Posts relacionados: 


quarta-feira, novembro 10

{educação} Na bagagem para o #forum2010

Impressiona a programação 2010 do Fórum da Cultura Digital Brasileira. Em sua 2ª edição, procura articular um vasto e sempre incompleto tempo-espaço da cultura sob o impacto tecnológico cotidiano. 



Cultura e tecnologia são pois 'beta ad infinitum' e um encontro presencial ainda é uma forma coerente para abordar e articular áreas em 'estado líquido': o 'cara a cara' próprio da oralidade não perdeu seu lugar e, dizem, estaríamos mesmo retornando a ela após longos parênteses!


Além dos “mensageiros de reputação”, tomando outra ideia de Thomas Pettitt e seu grupo, um amplo espectro de atores que fia a relação cultura&digital cotidianamente no país, dará forma e conteúdo ao #forum2010 com suas “experiências, ações, redes, projetos de cultura digital espalhadas pelo país”.

Desde já, algumas ideias persistentes, resultado de experiências atuais, alinhavam-se e vou pondo já no fundo da mochila para levar a São Paulo. Até e durante o #forum2010, publicarei posts com o intuito de desdobrar algumas reflexões.

Educação: cultura digital não é informática!


A formação para uma Cultura Digital (expressão essa onde “cabe todo um mundo” teórico e prático) deve começar no ensino básico, como parte integrante do currículo escolar até o ensino médio, estando muito além da atual compreensão da “informática na escola” - denominação que, resguardando o filtro de uma época, hoje acaba por restringir o aspecto cultural da vida humana mediada pelo digital.

No espaço universitário, mesmo com mais avanços, ainda são poucas as universidades que assumem a tarefa de introduzir uma disciplina Cultura Digital em seus cursos regulares, tendo em vista a velocidade das transformações tecnológicas versus o modelo burocrático que predomina em instituições do setor.



Atualmente, enfrento este desafio numa faculdade aqui em Brasília, com jovens estudantes de primeiro e segundo períodos do curso Cinema e Mídias Digitais. A disciplina Cultura Digital e Interatividade está no currículo pela primeira vez e existe, pois, espaço para propor, experimentar.

O que seria importante ressaltar junto aos estudantes durante um semestre? Como organizar 'rastros teóricos', pesquisa para seminários, a prática do laboratório e abrir portas para um acesso, que se quer ilimitado, à cibercultura?

Muito importante, especialmente pensando na escola pública, é o conhecimento e apropriação das ferramentas de pesquisa, ensino e extensão já desenvolvidas e em andamento – que passam por redes sociais com fins educacionais, plataformas voltadas ao ensino à distância (EAD) e amplos acervos de instituições que, cruzados, formam complexos aglomerados de conhecimento a se acessar.

Dentre tudo que paira, tento ao menos deixar claro para os alunos que o aprendizado é um prisma e, para onde olharem, serão capazes de ser capturados por uma centelha do saber que se quer chama... 

E que a batalha contra as tentativas e (vitórias) de apropriação indébita do conhecimento coletivo não pode parar - precisamos reconhecer o valor do ciberativismo - assim como a sanha das autoridades pelo controle das redes digitais e criminalização de suas práticas que desterritorializam e põem em cheque o status quo e sua arquitetura.

Afinal, só quem nunca foi livre é que pouco deseja a liberdade. E mesmo quem não a conhece, merece sentir o cheiro bom que ela exala.

terça-feira, outubro 19

Bienal daqui e d'acolá


Consumido pela arte. Essa é a expressão que encontro para dar contornos ao meu 'estado d'alma' após algumas horas circulando pela 29ª Bienal de São Paulo. 


Ao me colocar enquanto 'sujeito consumido', deixo a arte (ou aquilo que chamam arte, como bem esclareceu recentemente Jorge Coli) como o grande ventilador das identidades contemporâneas, espalhando, sem sentido transparente, recortes do tempo-espaço pelo Pavilhão da Bienal - fixados a partir de uma visão e uma intenção do artista que assim se nomeia. 

São centenas de textos - pensando a arte como o 'tecido' de Roland Barthes - que geram associações descontínuas e acessam lugares da memória, da 'bagagem cultural', do inconsciente individual e coletivo, daquilo que não sabemos ao certo...

A sensação do 'já visto' me persegue, o que só reafirma a contínua apropriação dos códigos artísticos erigidos ao logo do tempo! É um canibalismo que não toca não só a carne, mas também a aura. 


Foram tantos os projetos que me chamaram a atenção que, enquanto circulava pelos corredores sempre cheios (porque arte não só consome mas também é consumida) fui tomando nota no celular dos artistas que, sob um ponto de vista deveras pessoal, conseguiram atravessar a longa estrada, de tráfego intenso, que vai dos olhos até a mente, ao coração. cada obra é um hiperlink: centros difusos, acesso irrestrito.

Alessandra Sanguinetti, Chantal Akerman, Qiu Anxiong, Simon Fujiwara, Gil Vicente, Antonio Manuel, Raqs Media Collective, Marcelo Silveira, Nelson Leirner, Ana Maria Maiolino, Cinthia MarcelleJonathan de Andrade, Carlos Vergara, Superstudio, Archigram Group, Sandra Gamarra, Artur Barrio, Efraim Almeida, Miguel Rio Branco, Alfredo Jaar, Guy de Cointet, Davi Curi, Sara Ramo, Marilá Dardot e Flávio Moraes.