quarta-feira, junho 23

De Milton, Cleonice, Hipérides e Mário


"Castelos desmantelados/
Leões alados sem juba..."

Em 1958, a coleção Nossos Clássicos, da Livraria Agir Editora, lançou seu volume 22: poesia de Mário de Sá-Carneiro, organizado por Cleonice Berardinelli.

Em 26 de julho de 1962, uma quinta-feira, mesmo dia em que foi publicado no Diário Oficial da União a Lei do Décimo Terceiro Salário, José e Augusto presentearam um amigo com uma edição destas. A dedicatória diz: "Milton, aceitai esta lembrança de Hipérides"...

Hipérides?! É. Na primeira contracapa do livrinho está escrita a citação do homem público grego: "A vida é um poema que não se escreve, porque não rima com a morte".

Poesia, vida e morte são lados do conflito humano e artístico que guiaram Sá-Carneiro . Amigo de Fernando Pessoa, Almada-Negreiros - autor da caricatura ao lado - modernista por encaixe e natureza, deprê e dândi, viveu sempre às custas da família abastada mas não 'segurou a onda' e cometeu suicídio em Paris, no dia 26 de abril de 1916 - quatro meses antes de Berardinelli nascer...

Faltava pouco menos de um mês pra ele completar 26 anos e o inferno astral deve ter sido mesmo daqueles: matou-se "com o recurso a cinco frascos de arseniato de estricnina".

Três anos antes, em carta a Fernando Pessoa, datada de 3 de maio de 1913, Sá-Carneiro deu-lhe a gênese de Dispersão, um dos seus poemas mais famosos e funestos, que dá nome a sua primeira compilação do gênero, como nos conta Cleonice:

"Estava êle só, sentando na terrasse de um café, e, para passar o tempo, fazia bonecos num papel; súbito, começou a escrever versos 'como que automaticamente'. Assim fêz mais da metade das quadras, 'boa tradução do estado sonolento, maquinal em que escrevera êsses versos'. O resto do poema, fê-lo no dia seguinte, 'num estado normal e refletidamente'".

Cleonice Berardinelli, "Dona Cléo", aos 93 anos, continua viva pra contar história das histórias.



O livrinho dado ao Milton agora é meu e descansa à cabeceira diária do dormir. Isto faz com que Sá-Carneiro esteja por aqui - mesmo quando a morte tanto já lhe causava saudades e o labirinto fê-lo se perder tão cedo em si mesmo. "O pobre moço das ânsias...".



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