quinta-feira, julho 20

Morrer três vezes ou a vida que foge de nós

A sessão de ontem no Tintin Cineclube foi dedicada a visões da morte, sem dúvida um dos temas mais controversos da ontologia humana, matéria inigualável para se tentar compreender um naco dos dramas existenciais que acompanham a nossa raça ao longo do seu agridoce caminhar.
A sessão com curadoria de Zonda Bez, que estreou a Quarta Selecta, levou 25 pessoas ao Cine-Teatro Lima Penante, interessadas que estavam em compartilharem o olhar pós-morte dos pernambucanos Kleber Mendonça Filho e Daniel Bandeira [Menina do Algodão], a partir de uma lenda urbana brasileira; assim como a perspectiva interiorizada e mórbida do fim proposta pelo paulista Marco Dutra [O Lençol Branco e Concerto Número 3].
Os três curtas-metragens dão enfoques diferenciados para a morte: o filme de Recife [foto] caminha entre o sonho e o pesadelo dos vivos que são assombrados por quem já não está vivo, apostando no clima de terror para envolver a platéia. Como bem define Arthur Lins, “o filme é o único exemplar da mostra que investe em um nítido ‘cinema de gênero’, criando um assustador clima de suspense e tensão”. A forma escolhida pela dupla é a imagem difusa, borrada, o contraste entre o claro e o escuro, uma trilha sonora de ruídos marcando os pontos de maior agonia, assim como uma seqüência ágil de planos. Cumpre a missão de ilustrar a lenda que era popular no Brasil nos anos 70 [jovens atacados nos banheiros das escolas], assim como provar que é possível fazer um filme com clima de terror em apenas oito minutos.
Já os filmes de São Paulo propõem um olhar para a morte a partir da interioridade das casas e das famílias unidas que, diante da perda iminente de entes queridos, lutam para superá-la. O Lençol Branco é de uma morbidez raramente vista em curtas-metragens, fazendo uso de planos fixos, diálogos corriqueiros e silêncios que se contrapõem a uma ‘trilha sonora’ cuja origem está na onipresente TV e seus sons espectrais.
Se a música é silenciada neste curta, ela se torna o fio condutor da construção ficcional em Concerto Número 3. Vamos descobrindo, a partir da fragmentação temporal e dos pontos de vista das diferentes personagens de uma mesma família, o fim próximo da professora de piano, a mãe, detentora de uma força motriz primordial. Seguimos a ação através de uma câmera que espreita os espaços, passeia pelos silêncios e reconstrói a descoberta da morte eminente. Marcelo Ikeda bem define os dois filmes de Dutra: “(...) revelam uma ‘crise’, sempre furto da presença da morte, e se questionam até que ponto é possível ‘voltar à normalidade’, recuperar um antigo equilíbrio”. Dificilmente seremos os mesmos após o encontro com a morte, reveladora da fragilidade da vida diante do próprio mundo construído pelos homens.

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